quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Elefante Ululante


Hoje fui ao cinema assistir "Antes de Partir". Aquele meu amigo "fêmea" (gênero masculino)havia me indicado há meses...Ele tinha razão quando disse que o filme era maravilhoso. Profundo, sem ser pesado.Somando o fato que recém tinha saído da terapia (eufemismo para "Psiquiatra"), já estava pensativa antes de assistí-lo. Imagina depois, então. As pessoas mais próximas a mim sabem que um dos meus principais interesses profissionais é a área de cuidados paliativos. Aliás, esse termo em português tem uma conotação inadequada. "Paliativo" deriva do latim "Pallium" (manto, cobertor). É uma idéia de acolhimento, não de medidas paliativas conforme o significado em português. O filme foi muito interessante sob a perspectiva de alguém que lida com isso. A sutileza do médico dando a notícia ao personagem do Jack Nicholson foi equivalente a de um elefante perambulando por uma loja de cristais. Bem, gente sem sensibilidade é o que mais tem por aí. Dentro da sala do cinema ouvi o comentário de uma moça (referindo-se a um senhor com dificuldade de locomoção que estava recebendo auxílio para sentar-se): "O que essa gente que nem sabe andar direito faz em um cinema? Só para dar trabalho aos outros!". Como geriatra (e ser humano) tive uma quase incontrolável vontade de me levantar e dizer para a criatura: "Tomara que se um dia tiveres dificuldade, que alguém tenha mais compaixão do que tu para te ajudar!". Segurei a onda e fiquei quieta. Até por que, com uma mentalidade dessas, seria mais produtivo conversar com o extintor de incêndio...Bom, fazendo novamente uma conexão com a terapia, minha terapeuta fez um comentário bem interessante: que posso extrapolar toda a minha paciência (leia-se controle da ansiedade) que tenho com a minha profissão para a minha vida pessoal. Ainda mais lidando com cuidados paliativos (pacientes com doenças crônicas e sem perspectiva de cura). Os parâmetros são totalmente diferentes da formação médica tradicional. Esta tende a encarar a morte como uma derrota e, sob essa ótica, "não há nada mais a ser feito". Não culpo quem pensa assim, afinal é praticamente uma atitude condicionada. Lida-se com a morte diariamente, porém, raríssimas vezes se fala no assunto ao longo da formação acadêmica. Lembrei do episódio em que um colega lá de São Paulo, quando era médico residente, foi proibido de debater sobre morte nas reuniões científicas. Felizmente, é uma mentalidade que gradualmente está se modificando. Sim, é difícil lidar com a morte, pois ela esfrega na nossa cara a nossa própria vulnerabilidade. Taí um dos motivos pelos quais resolvi voltar a fazer terapia. Me sentei na poltrona (não tem divã) novamente por que senti necessidade de evoluir. Com respaldo, se torna bem mais fácil. E está valendo muito à pena. Estou fazendo agora o que uma amiga chamou uma vez de "dever de casa". Por que "fazer" terapia é diferente de simplesmente "freqüentar". Quando saí do cinema, fiquei pensando nos dez ìtens que constariam na minha lista de coisas a fazer antes de morrer. Isso é uma grande bobagem, na verdade. Alguém aí tem hora marcada para morrer (excluindo os suicidas)? Eu não tenho. Mas o interessante é que ela pode representar o que/quem realmente importa. Sabe, uma das primeiras providências seria reencontrar um alguém do meu passado a quem fiquei com a impressão de que ainda há muito a se dizer, por mais que nada venha a mudar. Não tenho o hábito de me arrepender do que faço, por alguns motivos. Costumo ponderar minhas decisões e sempre as considero dentro de um contexto e de uma intenção. Entretanto, tudo e todos são passíveis de falhas. E nunca deve ser tarde para se desculpar pelas nossas. Obs: não espere morrer para agir (a obviedade ululante de uma ironia).

2 comentários:

JC Baldi disse...

Acho que a gente nunca deve esperar pelo amanhã para reparar um erro, dizer um muito obrigado, elogiar, agradecer alguém. As pessoas têm que saber o que pensamos delas enqto ainda possível. Amanhã pode ter sido tarde. E, na verdade, o que levaremos dessa vida são apenas as relações co as pessoas. Podemos ter dinheiro, bens, mas sem relações humanas, é um vazio imenso.
Eu nunca fiz terapia, mas gostaria de ser terapeuta...rs
A gente sempre é um pouquinho no dia-a-dia.
Abraço!

Beth disse...

Tenho um palpite de que serias um bom terapeuta-eheheheehehhe!
Todos os nossos amigos próximos acabam por cumprir esse papel. A vantagem de um profissional é que ele tem isenção, que é preciosa na avaliação de diversas situações.

Grande abraço!